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Larissa Honorato

há meses eu me evito criar versões ruins de você.

toda vez que penso em como você me machucou e continua me machucando com suas decisões, em como eu não fui tratada com carinho, como eu fui deixada de lado, mês após mês, como um brinquedo que você simplesmente cansou de usar, mas se recusava a jogar fora. toda vez que eu penso que eu estava ali, empoeirada na prateleira porque você queria que eu continuasse te assistindo brincando com outros brinquedos, mais jovens e mais fúteis que eu, e ainda assim te admirar, te colocar como a criança mais legal que eu conhecia - afinal, quem não quer ser adorado desse jeito, não é? - toda vez que eu penso nisso, eu sinto uma dor que me dilacera, que me rasga, que me corrói por dentro e imediatamente sou acometida por uma culpa.

é estranho, não é? pensar que não podemos pensar mal de quem nos fez mal? é que ninguém quer ser visto como uma criança ruim. mas você também foi uma criança ruim. por meses para mim você foi a pior delas porque você não queria que eu fosse para doação, nem vendida, nem que conhecesse novas crianças porque isso, automaticamente, significava que você poderia não ser a minha criança favorita ou a melhor delas. e a pior parte, é que você nem queria brincar comigo, mas também não queria que eu fosse embora.

você não me permitiu nunca te ver com maus olhos. te ver como você realmente é - porque o ruim também te pertence, você não é todo bom, ninguém é, mas no seu caso, você se recusa a acreditar nisso, você se recusa a ver a parte ruim e cobra incessantemente quem não te vê por essa perspectiva. toda vez que eu ousava questionar ou pensar algo ruim sobre você, imediatamente como uma criança mimada você cruzava os braços e me fazia ver as coisas do seu jeito. você não me deixou de propósito na prateleira. não era sua culpa que eu estava empoeirada. não era sua culpa me colocar para adoção, não era você que precisava me dar tchau. você não tomou nenhuma dessas decisões de propósito e eu precisava te entender. sempre houve uma justificativa e eu sempre ouvi e aceitei todas elas.

você jamais pensou em como era dolorido ficar te assistindo na esperança que a minha hora de brincar e de ser uma das escolhas ainda viria. na esperança que você me escolhesse. e além de lidar com a frustação de querer ser escolhida e nunca chegar a minha vez, eu também precisava entender o porque você não me escolhia, afinal, você estava descobrindo o parquinho aos vinte e sete anos, como se nunca tivesse descido para brincar antes. e eu entendi, e eu aceitei, e eu continuei por muito tempo na prateleira. te ouvindo, te ajudando, inclusive, a escolher novos brinquedos. te ajudando a se ver como a criança mais legal, mais interessante porque você precisava de mim para te afirmar isso incessantemente já que você não acreditava nisso.

até que você não precisou mais, mas eu continuava na prateleira. nem o carinho de me tirar da prateleira e me dizer tchau, agradecendo por ser seu brinquedo favorito por anos você teve coragem de fazer. quando o peso do pó se acumulou nos meus ombros e ficou difícil de respirar e a minha esperança foi dilacerada após tantos dias esperando um olhar, um afago, um afeto que nunca vinham sem eu pedir, que nunca vinham genuinamente porque você se lembrava que eu ainda estava lá, eu me vi na obrigação de me jogar de lá de cima, sabendo que mesmo que se eu me arrebentasse na queda, era melhor do que continuar ali, imóvel, esperando por algo que nunca mais viria.

deve ser muito gratificante ser adorado tanto assim por alguém. estar no topo da pirâmide, preencher o ego, a sensação de ser indestrutível e que nada te abala, que você é invencível porque alguém te vê de uma forma tão gratuita e genuinamente boa. acho que isso faz você acreditar que você é um ser humano sensacional e deve ser difícil mesmo sair desse lugar.

e foi por isso que eu aceitei por tantos meses continuar te vendo com bons olhos. porque é muito difícil aceitar a realidade que, alguém que eu admirava tanto assim fosse capaz de me deixar tão empoeirada por tanto tempo - por mais até do que eu achava que tinha sido, que eu fosse tão facilmente esquecida. não era possível que todos esses anos de adoração, de devoção eu fosse deixada assim tão superficialmente por outros brinquedos porque você é incapaz de brincar sozinho.

e agora, quando eu finalmente aceitei que você fez tudo isso, ainda que não intencionalmente, eu ainda fiquei ali esperando por algo que você prometia e nunca vinha. com a queda além da dor de finalmente me libertar daquele lugar, de me libertar de uma esperança vazia, me libertei de ter que te entender e te admirar a todo custo, também tive que lidar com a dor de aceitar tão pouco por tanto tempo, de me machucar te ajudando a escolher os brinquedos que você queria enquanto eu ainda estava ali porque você era incapaz de se decidir, tive que lidar com tantas dores que você jamais terá alguma ideia porque você não sai do playground e já tá na hora de parar de brincar, mas entre todas as decepções, a maior delas é perceber que a criança que eu tanto admirava, é tão medíocre e ordinária quanto todas as outras que continuam no parquinho.

dezembro 06, 2022 No comentários

gosto muito de observar as pessoas. tenho essa ideia de que pessoas são como livros inacabados e sempre fico muito curiosa para saber quais foram os capítulos anteriores e o que estão escrevendo neste momento. também me interesso muito sobre o que gostariam de escrever no futuro.

enquanto leio as pessoas por aí, tenho percebido algumas coisas muito interessantes. a primeira delas é que, tem algumas que se acham o melhor livro já escrito e tem outros que se escondem na prateleira por acharem que não tem nada demais a oferecer. no geral, os dois colidem e o da prateleira nunca tem muito espaço para escrever nas próprias páginas e acaba por se preencher com histórias alheias.

a segunda coisa, é que parece que todo mundo está sempre se esquivando de alguma coisa. até mesmo os que são super convencidos de suas histórias maravilhosas. parece que todo mundo já se ralou muito e colocou merthiolate e, agora quando estão no parquinho, usam de todos os artifícios e técnicas possíveis para evitar eventuais quedas, arranhões ou qualquer ferida. vamos na gangorra, mas não pule quando estiver no alto. vamos no balanço, mas não muito rápido - e se estiver muito rápido, finque os pés no chão para frear bruscamente. no escorregador, desce devagar, segurando nas laterais.

é até um pouco cômico observar. ora, como se quer estar no parquinho e achar que é possível prever todos os riscos, milimetricamente calculado? e falo isso até por mim mesma. parece bastante óbvio que estar exposta significa, obrigatoriamente, estar em risco. e exige uma determinação e imaginação gigantesca para prevenir todos eles.

a terceira coisa que tenho observado, e acredito que tenha concluído sobre as pessoas, é que estão todos com medo e um pouco cansados de cair, mas nenhum se recorda ou se atenta ao fato de que, desde muito pequenininhos, tiveram coragem o suficiente para levantar e remendar-se. cicatrizes aqui e ali, mas nenhuma delas matou.

é engraçado porque tem toda uma imagem de fachada de empoderamento, de segurança, de certeza e ai daquele que duvidar dessa imagem. mas, olhando de perto, ninguém realmente acredita na própria coragem. e é nessa que acabam por derrubar uns aos outros, por remendar-se com substancias. é uma batalha invencível evitar o inevitável. ninguém quer sofrer, mas é impossível não sofrer.

e não seria a tentativa de não sofrer o verdadeiro sofrimento?

sei lá.

novembro 02, 2022 No comentários

talvez uma das maiores confusões humanas seja a nossa eterna busca pelo extraordinário. passamos boa parte da vida tentando ser excelentes na escola, no trabalho, nas amizades, nas relações amorosas; fugindo da mais remota possibilidade de sermos medíocres e, raramente, nos dando conta de que, o medo de ser clichê é o maior clichê que existe. que paradoxo.

"seriamos muito melhores se não quiséssemos ser tão bons" disse freud certa vez. ou qualquer pessoa que também tenha sido inteligente e atribuiu a fala a ele por não ter a mesma fama. bom, seja lá como for, o fato é que eu também tenho muito medo de ser medíocre, de ser pequena. de ser esquecível.

e é até um pouco engraçado tamanha ingenuidade que temos ao assumir que é possível ter qualquer tipo de controle sobre o que pensam da gente ou como vão reagir ao que fazemos. por isso, sempre tentamos prever todos os cenários possíveis, desde as cenas mais trágicas até as mais bonitas, como se isso fosse capaz de prever qualquer elemento surpresa. eu chamo de loteria mental. uma situação, cinquenta milhões de cenários. o outro vai escolher um dos que você já previu.

mas aí é que tá. assim como na loteria, você tem uma chance entre cinquenta milhões. você é um. o outro tem outra chance entre cinquenta milhões. eu sou horrível em matemática, mas algo me diz que exponenciar tanto assim, faz com que seja ainda mais difícil ser capaz de prever todas as variáveis.

quando terminei meu primeiro e único namoro até então, eu não queria me identificar tanto assim com taylor swift, ou com a olivia rodrigo, ou com os milhares de filmes sobre encontrar sua própria felicidade sozinha, viajando por aí. eu tinha uma certeza absurda de que eu sabia quem eu era e o que eu queria. tão forte que não fazia sentido, de fato, ter terminado, já que eu sabia como eu queria ser tratada, os programas que eu gosto de fazer, os lugares que eu quero conhecer. como num belo roteiro. eu já tinha previsto todos os cinquenta milhões de cenários. mas a escolha de um deles, faz com que você precise pensar nas variáveis também. se formos, sei lá, pelo caminho 3, dentro dele tem mais 50 milhões de possibilidades.

e ser imaginativo assim é ótimo, dizem que eu escrevo belos textos, como esse aqui e acredito que renderiam belas músicas também, se eu ao menos soubesse compor. mas imaginar é bem diferente de viver. imaginar sofrer é bem diferente do que sofrer, de fato. imaginar felicidade é bem diferente de ser feliz. podem tentar imitar as sensações e sinapses de comer um delicioso bolo, mas jamais será igual a sentir o macio da massa preenchendo a boca, o gelado do garfo encostando na língua.

talvez o metaverso seja o exponencial do medo de ser clichê, pensando por um lado, né. enfim, só criando mais cenários aqui.

o ponto é que, apesar de ter tido essa certeza e me achar tão analisada assim também era o medo da mediocridade. se amarrar em certezas absolutas é mais uma forma de evitar a possibilidade da dúvida, da criação de mais cenários. os clichês são comuns porque muitas pessoas se identificam com ela e a gente sempre ouviu da nossa mãe que não somos todo mundo, mas somos. é estranho e um pouco chato, mas também é libertador.

novembro 02, 2022 No comentários
deitada no chão, sentia a angústia me engolir viva, como se fosse um buraco negro que puxava para si com força qualquer faísca de bons sentimentos que ameaçam enevoar minha cabeça.

havia alguns meses que eu não o via pessoalmente. aliás, há algumas semanas não conversávamos como antes. as longas noites em claro, as mensagens incessantes e os inúmeros assuntos em comum deram espaço para conversas superficiais e um pisar-de-ovos que me parecia ridiculamente estranho. costumávamos ser melhores amigos e até o silêncio nos era confortável, mas tornou-se o que eu mais temia, tornou-se o mais clichê das obviedades humanas. o silêncio virou sinônimo de vazio.

observadora, eu assistia todos os movimentos e mudanças. o cabelo dele, às vezes por fazer, a barba comprida, o sorriso mais branco e mais tímido também, mesmo quando se esforçava com quantidades, imagino eu, de altas dosagens alcoólicas. por um tempo, eu resolvi permanecer exatamente no mesmo lugar que estava antes, já há alguns meses, e assisti todas suas decisões com uma esperança tão intrínseca e tão igualmente masoquista de que, em algum momento, ele iria me escolher. e incessantes vezes ele escolheu a si mesmo, enquanto eu continuava disponível com algo dentro do peito que eu, ainda, não sabia identificar ao certo o que era.

diversos episódios de raiva e tristeza que fui guardando comigo como sempre aprendi a fazer, como se fosse minha responsabilidade unicamente lidar com aquilo. inconscientemente, como se eu estivesse constantemente em uma prova de resistência em que eu era o torturador e também a vítima num paradoxo que deixa lacan orgulhoso toda sessão.

e quanto mais raiva e tristeza eu sentia, mais diferente ele ficava aos meus olhos. de repente ficou bobo, fútil, estranho. como pode assim do nada deixar de conhecer alguém? quão rápido uma pessoa que ficou ali por tantos anos pode sair?

e eu já tinha passado por aquilo antes. foi ela, a garota que era o desejo dos meus amigos, a quem guardei e protegi todos os segredos e me deixou sozinha quando perdi minha vó. foi ela, minha amiga que jurou estar ao meu lado em todos os momentos e que faltou no meu aniversário quando meu pai estava na uti para aliviar o estresse com outros amigos. tiveram outros também até que, por fim, foi ele, que depois do furacão de dois anos isolado e quase-mortes, que sempre dizia preferir o equilíbrio, escolheu pelo desequilíbrio para estar todos os dias baladas cheias.


então, o que estava diferente dessa vez? por que eu continuava com a sensação frustrante de continuar em desvantagem?

"mas existe diferença entre tristeza e mágoa". uma frase tão simples quanto beber água, mas uma vez com sede, parece o mais divino dos líquidos.

o problema da mágoa é que você a carrega sozinha. é possível partilhar e compreender outros sentimentos em conjunto, mas a mágoa é muito pessoal. e ela fica ali sendo remoída, remexida, revirada e alimentada toda vez que algo vem a tona. e a mágoa vira rancor.

pensei que daria para aguentar mais essa e guardar junto com todas as outras, mas de alguma coisa tem que servir aprender sobre lixos e gavetas bagunçadas. de algo há de servir ouvir sobre lacan, jung e freud. já não eram meus aqueles cacarecos e, por mais que eu havia tentado devolvê-los, em todos os momentos foi me dito que ele também não queria aquele lixo, mas porque ele não os jogava fora? por que ainda continuava em minha mãos?

o nó preso na garganta me impediu de gritar tantas vezes, mas tenho conseguido desatar. e dessa vez, pela primeira vez, eu reuni todos os lixos e não me dei ao trabalho de etiquetá-los, colocá-los em sacolas e dar pronto para somente colocar no lixo. dessa vez eu apenas os reuni, de forma bastante educada, mas eu os entreguei para o dono. agradeci pelo empréstimo, mas lixo é lixo, e eu não precisava guardá-lo comigo.

quando o fiz, pela primeira vez disse que não os queria de volta e que ele precisaria lidar com eles. que eu não merecia toda aquela sujeira, mas que ela tinha que ser limpa por alguém e aquele alguém, não era eu, não mais. e ele pegou o lixo de volta com uma certa relutância. disse "desculpa, mas é que eu nunca quis sujar nada de propósito". e eu sabia disso, mas ainda que não se suje nada de propósito, ainda sujou e não sou eu que devo limpar apenas porque não foi de propósito.

exausta da mesma discussão sobre a sujeira, expliquei tudo isso e ele pegou o lixo de volta. dessa vez, pela primeira vez, manteve-se apenas no substantivo. "desculpa". já não me importava a conjunção e nem nunca deveria ter me importado. tudo que precisa às vezes é se ater ao simples, à palavra única, à sujeira. eu não precisava do mas. se foi de propósito ou não, não me importava, me importava lidar apenas com a minha sujeira.

e a exclusão da conjunção me trouxe um alívio tão imediato que senti que o buraco negro deu lugar a uma supernova.
e finalmente, fico feliz em te imaginar feliz porque finalmente acho que merece e que não me deve nada. tudo foi pago na desculpa, mas sem o mas.
setembro 13, 2022 No comentários

querido raio de sol, 

primeiramente, permita-me ter a licença poética - e bastante brega, talvez - de traduzir para português o apelido que acredito ter sido criado por mim, há bons anos, para me referir a você. ele foi baseado no seu sobrenome e espero que esteja esboçando um sorriso desde o começo dessa carta - que te encontre bem.

pensei por horas e horas como poderia começar a te presentear e, sim, consegui alguns itens materiais que vão ser entregues a ti porque você merece, fique tranquilo, mas além deles, eu queria te oferecer algo que fosse unicamente sobre nossa amizade e, bem, obviamente sobre você.

pensei, pesquisei, olhei referências até que tive uma ajudinha sua com um ímpeto de que, o melhor que eu posso oferecer é me debulhar em palavras. e resolvi registrá-las aqui, já que como bom amigo que você é, talvez seja o único leitor assíduo desse falido blog que virou um portal de lembranças.

então, cá estou com uma xícara de café coado bebericando uma porção de nostalgia enquanto penso em você, amigo, então me permita dizer algumas coisas.

quando te conheci, há um bocado de anos, tive a rara oportunidade de ir além da capa do livro que era oferecido a todos: levemente bad boy, humor ácido, mau humorado, irônico e bastante esquentadinho. confesso que seria mais fácil ter me prendido à imagem de que você era só o garoto que namorou uma garota que eu conhecia bastante e era esquentadinho o suficiente para ouvir metal e quebrar janelas por aí, mas você sabe que eu não brinco no raso e você também não.

desde lá, quando você era um furtivo com franja que lhe caía sobre os olhos e escondia metade do seu rosto e eu, uma garota magrela com cabelos alisados e insegura, nós encontramos nossas similaridades. primeiramente música, problemas escolares, amizades, depois corações partidos. com o tempo, você já não fazia mais tanta questão de ficar somente no humor ácido que, aos poucos, vieram acompanhados de abraços que cobriam minha cabeça e sorrisos largos dizendo que tudo era brincadeira.

mais tarde, nossas conversas se iniciavam sempre com um apelido breve, simples, mas bem carinhoso. moça. e falávamos sobre os próximos shows, festivais, sobre pé-na-bunda e possíveis novos romances. e tirava sarro de mim como se eu fosse sua irmã e eu cutucava a onça com vara curta como só eu sei fazer, o que rendia uma porção de caretas e dedos do meio estendidos, dos dois lados.

em nossa essência, talvez não tenha mudado tanta coisa, mas as abordagens hoje são benefícios de usar cartão de crédito, como compras no mercado são caras e como lidar com as inseguranças mais profundas. continuamos conseguindo conversar sobre qualquer tópico, mas eu consigo ver que, agora, aos poucos você tem conseguido deixar que as pessoas leiam o livro além da capa, como eu também fiz.



o problema de termos capas tão bonitas e bem feitas, é que no fundo, a gente tem medo que não gostem tanto do conteúdo do livro. imagina só, julgarem a obra apenas pela capa, exatamente como você fez tantas outras vezes? imagina só, perceberem que não foram injustos com você? ou, olha que coisa, talvez descobrirem que o livro é muito mais legal do que a capa?

o problema de não gostar de brincar no raso, é que brincando no fundo, dá um pouco de medo de não dar pé, de afogar, de faltar ar, de cansar e até de faltar um pouco de luz porquê, vai que o sol não chega lá. mas é aí que mora a graça do seu apelido. quem carrega em si raio de sol, não fica no escuro por muito tempo, não é?

posso dizer, por experiência própria, que você não deixa o escuro perdurar. quando eu resolvi que precisava mergulhar no fundo, onde ficava um pouco mais difícil enxergar, você não se importou de me ajudar a voltar pra superfície para respirar um pouco. e é isso que talvez eu sempre tenha enxergado em você, por trás de toda capa dura e bem formatada.

sempre esteve contigo a capacidade de fazer as pessoas rirem com tanta vontade a ponto da cabeça tombar para trás e emitirem sons estranhos no meio da gargalhada. também sempre esteve contigo os braços longos e esguios capazes de fazer a gente sentir que é capaz de aguentar qualquer coisa, até enfrentar apocalipse zumbi - que você adora falar que correria mais rápido que todo mundo e deixaria todo mundo pra trás, mas nós dois sabemos que é a maior mentira já contada. você mataria todos eles dando alguma equação impossível de ser resolvida e daria tempo de todo mundo fugir.

é bonito poder assistir à coragem dos outros. daqui te vejo corajoso, mesmo com medo de cansar, você quer mergulhar fundo porque sabe que é o único jeito de conseguir se livrar das amarras e desencalhar. daqui, continuo te vendo e admirando cada mergulho. espero que permita que mais pessoas mergulhem junto com você porque tua atlantis é um reino incrível - não seria eu, sem uma analogia à animações.

não posso garantir que todos gostarão do livro, mas posso garantir que vale a pena permitir que mais gente leia. não decida se as pessoas vão gostar ou não da história, mas permita que elas leiam e decidam. o livro não vai ser menos interessante se alguém não gostar - e se não gostar, devo dizer que tem um péssimo gosto literário, diga-se de passagem.

estarei aqui para ler cada página e para ajudar em cada mergulho. obrigada por me permitir ir além da capa e por sair do raso.

feliz aniversário. te amo.

com amor,

moça.

setembro 12, 2022 No comentários

Alguns segundos de uma voz agitada num aplicativo de mensagens "oi, desculpa a demora pra responder, esqueci mais uma vez, achei que...".

Me esqueceu, mais uma vez. Pauso a mensagem e escuto novamente. Fazer isso é um pouco masoquista porque te ouvir falar essa palavra me machuca, me frusta, mas eu acho que sempre aprendi a sentir prazer na dor, talvez amar seja um pouco isso. Ouço novamente "esqueci". Esquecer.

Já faz algum tempo que acho que você se esqueceu de mim. Teve aquela vez quando fiquei doente e te pedi um chocolate e você ficou frustrado estava sendo muito carente. Quando te perguntei se queria ir para algum lugar almoçar e escolheu a mesma balada pela décima vez. Ou aquela vez quando disse que não via sentido em postar fotos comigo porque não era assim que demonstrava seu amor por mim, mas foi assim que demonstrou seu carinho por uma desconhecida.

E eu assisti o esquecimento. Uma, duas, dez, inúmeras vezes. Te assistia me esquecer, permanecendo na plateia com medo de que, caso eu parasse de assistir, eu seria esquecida. Veja, que paradoxo!

Então fiquei ali, vendo, vendo, vendo, permanecendo, cedendo, me transformando para caber num espaço cada vez menor de memória, até virar uma caixinha de uma lembrança bonitinha numa prateleira que era fácil revisitar sempre que sentia saudades.

Enquanto você me esquecia, eu lembrava de você. Te lembrava de lembrar de mim. Fazia o trabalho por você, o de cuidar de você, o de fazer você se lembrar de você tanto, que não havia lembranças pra mim, nem dentro de mim mesma. 

Eu facilitei tanto para você, não é? Você não teve trabalho algum. Ficou fácil quando num lapso de tortura masoquista em que te pedi um beijo, o mais banal e simples deles que deveria ser uma manifestação natural de desejo, me fez perceber que havia uma voz dentro que ecoava e implorava por um basta. Aquilo não tinha que ser pedido. Não era assim que eu tinha que ser lembrada. Quando é preciso lembrar que algo seja natural, é porque já está artificial demais.

A gente não precisa lembrar ninguém de lembrar da gente.

Ouvi essa voz que constantemente eu silenciava, pedia para ter um pouco mais de paciência, mas dessa vez, cansada e triste demais para exigir o natural, perguntou da forma mais honesta que podia se eu era uma escolha. Eu não era. Houve rodeios, houve tentativas de disfarçar, mas eu não era. Eu não era lembrada, eu era uma lembrança.

Ouvir isso em voz alta fez a voz ter certeza do que ela já me avisava há tempos. E a dor de ela estar certa, de que eu havia feito tanto esforço quando já era só uma lembrança foi como me chicotear inúmeras vezes. E sabe o que mais dói? Você viu que eu estava me chicoteado e em momento nenhum você impediu ou disse que não precisava mais. Acho que mesmo me vendo me chicoteado você não tinha o trabalho de me dar minha liberdade enquanto você vivência a a sua já.

E meu senso de justiça é um valor tão intrínseco que me escapa pelos poros. Sentir que cometi uma injustiça comigo dói mais até do que a injustiça que você cometeu comigo - e olha que essa dói muito também porque achava que você era mais corajoso para arrancar chicotes. Esse valor era meu refletido em você. Espero que tenha aprendido também.

E agora eu estou decidindo por largar o chicote, mesmo com medo, porque apesar de ser um lugar que eu conheço, sentir dor ainda é dor, por mais que você já saiba como vai doer. E é preferível mergulhar no desconhecido do que continuar a ocupar um espaço pequeno.

Dói ter que sair daqui, mas eu não preciso mais ser uma lembrança. Eu posso ser lembrada. E eu preciso me lembrar de mim.

setembro 05, 2022 No comentários

 Eu sempre gostei do conceito de se olhar no espelho, não só por vaidade, mas pela capacidade de se imergir por minutos em si mesmo se olhando por ângulos e tendo um pouco da experiência dos outros ao te olhar. É um bocado engraçado o quanto dá para se conhecer de frente para um espelho, mas normalmente qualquer reconhecimento de si, é vaidade e/ou egocentrismo.

Digamos que aos 25 não tenho muito mais espaço em mim para que minha vaidade seja determinada pela régua dos outros, portanto, esse texto nada mais é do que um espelho.

Comecemos pelas feições, que nesses últimos meses, mudaram tanto. Por semanas foram tristes, o lábio caído num arco para baixo, os olhos fundos, a expressão cansada, têm dado lugar a expressões engraçadas, as mesmas olheiras, mas com os olhos semiserrados num sorriso aleatório. O maxilar continua anguloso devido a constante mania de tensioná-los acidentalmente.

Veja, olhando para você agora, a culpa não lhe veste tão bem quanto antes. Ela é desajustada, incomoda, até um pouco cafona, sabe? Como se a época de vesti-la fosse anos atrás. Ou talvez nunca foi muito seu estilo. Nessa troca de roupa, a culpa precisou ser substituída por algo que você sempre gostou em outras pessoas, mas que achava que não lhe caia bem. Sabe aquela falta de preocupação de saber que errou, mas não se importar muito com isso?

Isso lhe caiu muito bem! E não, não estou falando sobre a incapacidade de ajustar a preocupação, mas de vesti-la de outra forma. É como se você entendesse que essa culpa violenta de nada lhe serve, que é muito melhor saber que há peças em si que vão lhe desfavorecer e que talvez precise de ajustes, mas que elas não precisam ficar escondidas na gaveta.

Como se você entendesse que maquiagem é boa, mas quando te desfigura, te torna outra pessoa? Você não parece consigo mesma?

Não tem sido fácil olhar no espelho, mas fique feliz de olhar cada vez mais fundo e por outros ângulos. Nem sempre teu lado mais bonito é o mesmo.

agosto 18, 2022 No comentários

 Passei alguns dias sem conseguir escrever ou me expressar direito. Não que as coisas estejam piores, muito pelo contrário, você é um milagre vivo, papai. E talvez, justamente por isso está um pouco complicado de processar as coisas, entende?

O último mês parecia a todo instante que a gente iria acordar de um pesadelo a qualquer instante. Parecia paralisia do sono com a qual não só nosso corpo estava sem conseguir realizar nenhum movimento como parecia que o mundo a nossa volta estava congelado ao mesmo tempo em que eu via tudo seguindo seu curso. Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza.

Poderia dizer que o rio fluía e seguia seu caminho até o mar e eu estava presa com uma pedra me puxando para baixo e, agora, cortaram essa corda e, apesar poder nadar até o mar, ainda dá bastante medo de arriscar então estou segurando um pouquinho na corda ainda.

Eu te vi e você nos viu, papai. Nunca agradeci tanto uma chamada de vídeo e uma call repentina - que você bem sabe que tem sido motivo de bastante estresse nos últimos meses. Você está diferente, mais magro, mais debilitado, mas teus olhos sempre serão teus olhos papai, assim como teu sorriso. E quando olhei para ambos, mesmo à distância, eu tive certeza da sua vontade absurda de viver.

Você me disse "vou viver uma nova vida". Isso ecoa de tantas formas aqui dentro, eu quero te ajudar tanto.

E sim, nós não temos ideia do que você passou, não em detalhes, mas sabemos o quanto você tem lutado diariamente e como foi difícil não poder te ajudar a carregar essa cruz enquanto você a carregava sozinho. Foram nesses dias, papai, que eu tive a mais absoluta certeza que eu era extremamente impotente e isso doeu de tantas formas que seria impossível descrever. Eu tive que me apegar à algo e crer que a minha impotência significava poder de outros.

Significou, por um tempo, o poder de um vírus que há dois anos assola a humanidade sem a menor piedade. Foi também a perda temporária para o negacionismo, o facismo e a falta de compaixão. Mas os bons são a maioria, você costuma dizer, e eu precisei acreditar muito nisso e tive inúmeras provas que essa é a mais pura verdade. 

Tuas orações vão daqui à Alemanha, de Lajedo à Irlanda. Você é tão querido que todos os bons se manifestaram em prol da tua saúde e da força da mamãe.

E que mulher essa pela qual você se apaixonou, papai.

Não sei quanto mais escreverei, tentei manter a frequência todos os dias mas segui um dos teus inúmeros conselhos majestosos de respeitar o meu tempo.

Hoje eu só consigo agradecer do fundo do meu coração pela tua garra e por ser este ser de luz que nos faz entender até aquela parte do pai nosso que é humanamente impossível às vezes. Perdoai as ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

julho 23, 2022 No comentários

 São quase 20h e estou uma pilha de nervos, não vou mentir. Toda segunda-feira é um verdadeiro pesadelo, papai. Ontem ligaram quase 11h da manhã e pensamos que algo tinha acontecido e eram só notícias boas e hoje não ligaram em nenhum momento do dia e é inevitável que a mente não tenha truques mirabolantes sobre cenários pessimistas.

Mas também dizem que só ligam se tiver intercorrência então estou me agarrando a isso para ter esperança que você continua estável e bem, respondendo aos parâmetros que os médicos tem te submetido. Nossa, como é difícil, papai. Eu estou tão nervosa que acredito que minha visão está ficando cada vez mais prejudicada.

É um nível de ansiedade que toma conta de cada célula minha, e hoje estou me permitindo ser egoísta o suficiente para pensar que você é o meu papai. Que é sim paizão para muita gente, que é sim pai da minha irmã também, mas acima de todas essas coisas para mim você é meu papai, meu guardião, uma parte minha. É uma dor inexplicável e uma saudade tão bizarra que fica difícil de respirar, sabe? Eu sinto que você tá bem, sinto que você está se recuperando e que está tentando voltar para o seu corpinho e não é possível que sentir tanto isso não signifique nada.

Eu acredito tanto na sua recuperação, papai. E estou com tantas saudades e queria tanto, mas tanto dar um cheirinho no seu cangote pós banho e pós expediente de trabalho hoje. Ouvir você falando sobre alguma coisa nova que tem aprendido. Tô com saudades de nós, pessoalmente.

Eu sei que você vai voltar para casa, mas há dias em que é tudo muito complicado. Segunda-feira é esse dia, sabe? Acho que passei a ser definitivamente o Garfield e eu odeio segundas.

Vou orar para que você continue acordando aos pouquinhos, esses dias costumam ser muito difíceis para nós e tento ao máximo te mandar a maior quantidade de energia positiva possível, mas hoje por exemplo além difícil eu fiz a besteira de fazer uma sessão de análise para me permitir chorar um pouco sem o julgamento de ninguém sabe? Sem ninguém me dizendo que eu preciso ser forte.

julho 12, 2022 No comentários

 Todo dia é um susto, papai. E todo dia a gente entra em um limbo de emoções que é completamente impossível de controlar.

Ligaram para nós hoje de manhã para dizer que fariam o impossível para te trazer de volta e que você estava mantendo bem e que a UTI estava muito cheia.

Eu sei que em breve você volta para casa, papai.

julho 12, 2022 No comentários

 Tenho receio de estar me perdendo nos dias. Tenho que rever as contas, rever os números e você sabe que eu não sou muito boa com eles, não é papai?

Tenho pedido tanto para que os guias te tragam de volta e que aliviem teu medo, tua angústia e que te ajudem a entender suas limitações nesse momento. Eu sei da sua capacidade de compreender e aceitar as situações - coisa que eu tenho tanta dificuldade, papai. Eu tento procurar onde foi que a gente falhou, onde foi que deu tudo tão errado e porquê essas coisas aconteceram logo conosco, sabe? Eu não consigo não colocar isso numa caixinha de justo, injusto, certo e errado.

Você mais do que ninguém sabe que eu sou zero a pessoa que aceita as coisas como elas são. Eu tento mudá-las, tento melhorá-las e torná-las mais justa. E é pesado fazer isso quando se tem zero controle da situação, quando se tem zero visibilidade. É como tentar melhor o trânsito numa serra cheia de neblina.

Atualmente é como se tudo estivesse meio em stand by. Eu não consigo sentir prazer em praticamente nada, sabe? Por exemplo, me sinto culpada em não conseguir gostar de música nesse momento, de querer tanto silêncio sendo que eu e a mamãe somos sonoras, gostamos de barulho, mas ele não faz sentido se não for para dividir com você.

Eu sei que você está com medo de voltar. Eu te sinto tanto que me assusta, papai. É uma conexão que me espanta.

E eu acabei de saber que você deu um susto na equipe médica e ficou com os batimentos cardíacos bem fraquinhos, mas que melhoraram essa relação aí. Volta pra gente, papai. Fica calmo, fica tranquilo, mas nem tanto hahaha. Você vai voltar pra casa! Tenho fé absoluta de que isso vai acontecer.

É uma pequena conquista por dia.

julho 10, 2022 No comentários
Estou me sentindo tão mais leve hoje, papai. Ontem pedi tanto para tudo o que eu acredito te guiar de volta para o seu corpo, aceitando suas limitações temporárias e eu, que tenho tanto medo da espiritualidade e de todos os sinais, fui atendida com tanta maestria, papai.

Sua pressão arterial controlada, saturando bem e ainda fizeram a traqueostomia em você, sabe? Foram as melhores notícias em dias que se arrastam parecendo uma eternidade.

Não posso dizer que me sinto realizada porque acho que só vou me sentir assim quando te olhar se recuperando aqui em casa, conosco, mas com certeza me sinto mais aliviada que os processos estão sendo realizados por equipe tão competente e com tanto cuidado.
julho 09, 2022 No comentários

 Que mulher pela a qual você se apaixonou, papai. Que amor honroso, genuíno e infinito que vocês sentem um pelo outro.

Hoje é aniversário dela e você sabe bem que ela adora aniversários, adora comemorar a vida. Enquanto você está adormecido encontrando seu caminho de volta, eu tento mostrar para a mamãe que ela também precisa comemorar o fato de ter conseguido superar essa doença como eu tenho certeza que você também vai superar, papai. E sei que nesse sono temporário você também está angustiado pois gostaria de ser o primeiro a dar o beijo de parabéns para a sua prince.

Não sinta medo, papai. Tire essa angústia, esse receio e até um pouco desse orgulho do seu coração. Nós vamos cuidar de você, você vai conseguir ser esse milagre que Jesus tem te preparado para ser, para voltar e ajudar outros irmãos como tanto conversamos nos últimos meses, não é?

Você sempre respeita meus períodos de introspecção e me ensina a ser sensível o suficiente para conseguir respeitar esse mesmo processo de outras pessoas.

Hoje teremos algumas coisinhas aqui em casa, algumas pessoas virão deixar um beijo e um colo para a mamãe enquanto você não pode estralar as costelas dela com abraço de urso.

O amor é paciente, o amor é gentil.

Não quero te escrever sobre a dor que foi ver a mamãe esperando seu beijo às zero horas, mas você sabe o tamanho do amor que ela sente por você, né?

julho 08, 2022 No comentários

 Escrevo-te com atraso. Ontem fui tomada por uma onda de esperança e bem-estar que tomou conta de mim e, confesso, que esqueci de registrar como estava me sentindo.

Tenho certeza que dos céus Deus nos olha com muita misericórdia, tamanha a violência da oscilação dos sentimentos e há momentos em que a certeza de uma recuperação milagrosa irá se concretizar e no momento seguinte um vazio sem tamanho toma conta de nós como um buraco negro, engolindo e puxando tudo em volta com uma força tão avassaladora que é impossível de acompanhar e compreender.

Eu sinto tua presença com tanta certeza que me assusta, papai. Estava esperançosa, mesmo preocupada.

A notícia do médico que você seguia estável e estava tudo sob controle me reconfortou ao mesmo tempo que me decepcionou porque você sabe que no fundo todos nós esperamos um milagre repentino. Racionalizamos tudo para defender e posicionar nossa esperança de uma forma que ela não se torne um peso para nós. Para que a notícia que a gente recebe sobre sua relação de oxigênio estar melhor que antes ser boa o suficiente por hoje, mesmo que o médico não diga que seu pulmão se recuperou noventa por cento e que devemos visitar o hospital para visualizar o milagre de perto.

O padre veio aqui em casa para nos abençoar, cuidar da nossa casa, cuidar do nosso espírito e orou por você, papai. Foi tão bonito, tão leve, tão genuíno. Pensa num padre engraçado que você precisa conhecer! Talvez seja até pecado dizer que o padre era doido, mas era um doido do bem, sabe?

A madrinha da Amanda está todos os dias orando por você. Tem tanta gente que te ama, papai que é até um bocado assustador, sabe? Que você tenha essa capacidade incrível de dar tanto colo e ser esse professor exemplar para todo mundo.

Eu te amo e espero que você consiga perder seu medo para voltar a habitar o seu corpo, entendendo que por um tempo ele terá algumas limitações, mas que Deus é tão poderoso que aos poucos ele vai se recuperar. Tenho certeza disso - apesar de você não gostar de certezas absolutas. Essa não é absoluta, mas é uma certeza.

Estou te esperando.

julho 08, 2022 No comentários

 Hoje a dor está parecendo insuportável. Parece que cada célula do meu corpo vai se separar e eu vou me desintegrar.

Eu não sei se eu consigo falar com a Cris, se eu consigo verbalizar meus medos, papai. Eu simplesmente não me vejo sem você, eu não consigo imaginar minha vida sem poder te pedir colo, sem poder ter o prazer de te proporcionar um pouquinho o que você sempre me proporcionou.

Eu quero cuidar de você, meu amor. Eu quero que você volte para casa para eu fazer o pirão de ovo do vovô para você. Papai, as pessoas te amam tanto que eu confesso, com todo perdão, eu fico até um pouco enciumada, sabe? Você me dá a honra de ser sua filha todos os dias e também é pai de muita gente aqui, você guia muita gente por aqui, papai. Quantas pessoas estão desejando que você abra mão do medo de ser dependente de mim e da mamãe, só um pouquinho para que a gente possa cuidar de você.

Eu te juro, papai que eu não medirei esforços para conseguir os recursos necessários para cuidar de você. Pra te trazer de volta pra casa.

Eu acredito que você está tentando com todas as suas forças lutar contra essa doença, tentando recuperar o seu pulmão, mas eu te reforço, não tenha medo de voltar. Eu acredito na sua força, eu acredito na sua recuperação. Eu acredito no poder da nossa união.

Eu acredito que você está mais estável e acredito que os médicos estão te avaliando para tentar te 

deixar melhor o quanto antes. Papai, confia em você. Confia que você é capaz de voltar para nós. Confia que você é forte, que ainda precisa ensinar muita coisa pra muita gente. Que precisa comemorar seu aniversário de casamento.

Mamãe disse até que quer casar com você novamente, acredita? Dessa vez pode até ser na igreja e tudo se você quiser. Confia que eu consigo cuidar de você, papai. Por favor.

Volta pra gente, se recupera, fica conosco.

Hoje o boletim foi um pouco mais esperançoso. Eu estou incansavelmente sendo jogada para cima e para baixo na fé e na esperança. É extremamente difícil, papai. Sei que é grave, sei que você está lutando, mas eu sinto que você está lutando e vai conseguir sair dessa.

Eu vou te ajudar, papai.

julho 06, 2022 No comentários

Ontem ligaram para gente do hospital para falar que você estava de barriga pra cima, estável, mas que sua respiração ainda estava difícil. Nunca ligam de final de semana, sabe? Então foi como se a gente tivesse sido, novamente, atiradas de cima do penhasco que demora muito tempo e demanda muita força para conseguir subir de volta.

Eu queria ter o poder de inflar os seus pulmões e arrancar o sofrimento de você, papai. Queria que cada célula do seu corpo expulsasse as infecções, as bactérias e que você respondesse repentinamente. Sei não será de imediato, mas eu acredito que essa força você já tá fazendo por aí, meu ursão.

Hoje a gente acordou cedo, parecia que a gente tinha sido atropelada, sabe papai? A mamãe estava tão ansiosa e ela não dormiu nada. Você bem sabe que segunda-feira é puxado para nós por conta da ansiedade, né? Pois bem, além de tudo você tá aí dormindo e mesmo dormindo o senhor trabalha, luta e se esforça demais.

Fui com a mamãe para ela tomar a vacina. Pensei que você precisa me ensinar seus truques quando eu aprender a dirigir e tô esperando você voltar para se quer pensar em tirar a carta. Quando eu conseguir, vou te levar pra tanto lugar pra gente comer - e você provavelmente vai precisar estacionar porque você sabe que minha noção de espaço e capacidade para cálculos é bem ruim.

Pai, foi tão difícil ver a mamãe tomando a vacina. Doeu tanto em nós que foi como se alguém apunhalasse a gente pelas costas e puxasse o coração por trás, sabe? A mamãe lembrou que você disse que não estava feliz de tomar a vacina porque ainda faltava ela, você lembra? E que faltava eu também.

Eu sei que você sempre fala pra mim pra eu não alimentar ódio nem raiva, mas eu sei que você também entende, mais do que ninguém nesse mundão, como eu sinto e como as coisas são processadas por mim. E nossa papai, eu fiquei com tanta raiva. Eu queria gritar até eu ficar muda. Até a garganta coçar e eu sentir que libertei um mal do meu corpo.

Pareceu tão sem sentido, sabe? E eu também me senti culpada. Muito culpada. Porque era pra eu estar feliz, né? A mamãe também. Na hora que enfiaram a agulha no braço dela, o telefone tocou e infelizmente eu fui grossa com a moça do telemarketing. Eu gelei, papai. Na verdade, faltou um tiquinho só pra eu desmaiar.

Eu sei que você vai ficar bom, papai. E eu também estou permitindo que os guias falem comigo, mesmo com medo, porque eles me confortam, me dão bronca também porque eu tenho pressa de te ver e as coisas não acontecem no meu tempo. Tenho pressa que você fique bom, que eu gaste um monte de dinheiro com um monte de comidas boas e Lindts para você. Mas eu estou com tantas saudades, papai.

Que seu pulmãozão volte a ficar forte logo.

Estou te esperando, meu camissinho.

Passou das 15h e a gente já começa a ficar ansiosa de novo. Eu sinto que você está um pouco melhor, está respondendo bem e algo me diz que em breve devem fazer a traqueostomia.

Eu estou com tantas saudades papai.

julho 05, 2022 No comentários

Hoje é segunda-feira de novo.

Eu não sou muito fã de segundas, normalmente são meus dias de ansiedade atacada, sabe? Eu sempre acho que o fato de estarmos começando uma nova semana, um novo ciclo, me força a resolver tudo que tenho pendente em um único dia.

Dessa vez é uma ansiedade diferente. É como se todas as crises que eu tive ao longo das segundas, de uma forma muito angustiante, me prepararam para tentar lidar com o que eu estou sentindo agora. É como se esse tempo inteiro meu corpo e minha cabeça estivessem antecipando o medo, o perigo e dessa vez o perigo é real. Eu preciso efetivamente sair, lidar com ele, combater esse monstro ou ele vai nos engolir.

Parece uma analogia meio irresponsável, talvez, mas de verdade eu já não sei mais o que faz sentido.

Eu sou muito grata por tudo que está acontecendo ao mesmo tempo que eu tenho um medo tão forte que ele parece que me come por dentro. Corrói cada partezinha minha. Eu passei a odiar o toque de celular da minha mãe, de tal forma que eu cogito diariamente como poderei comprar um novo aparelho telefônico para ela de aniversário e quando meu pai voltar só para não ter que escutar esse toque nunca mais.

O misto de esperança e pavor é como tentar misturar água e óleo: continua sendo impossível, mas os dois tomam conta do frasco inteiro, sabe?

É muito estranho desejar a ligação do hospital contando as boas notícias ao mesmo tempo que deseja que não liguem de manhã porque significa notícias ruins e aos finais de semana significa que ele segue estável se não ligaram.

Eu fico tentando imaginar, visualizar como meu papai está. Se ele está barbudo, se perdeu muito peso, se está irritado ou se está tranquilo. Ao mesmo tempo eu não quero pensar nisso.

É tudo muito intenso, esquisito e parece que eu estou sempre anestesiada.

junho 28, 2022 No comentários

eu amava nós. não a ideia que as pessoas tinham de nós. eu realmente amava a gente, a dinâmica que tínhamos, a sincronia que criávamos, a compreensão mutua de momentos de silêncio e barulho, caos e ordem, expansão e introspecção, rápido ou devagar, ansiedade ou calmaria.

eu amava nós.

sempre nos falaram que éramos muito parecidos, mas eu sempre (talvez um pouco secretamente) discordei disso. na verdade, não só fisicamente como interna e individualmente eu achava que éramos muito diferentes, mas ao mesmo tempo, tínhamos tantas coisas em comum que arrisco dizer que era quase como se tivéssemos uma conexão esquisita e mística, dessas que em filme de ficção científica ou coisas sobrenaturais são interpretadas como transmissão de pensamento ou conexão de almas, seja lá como querem chamar.

era como se tivesse um metrônomo, ditando a frequência e, imediatamente, conseguíssemos criar uma música, sempre diferentes, como se colocássemos instrumentos que gostávamos e, a cada dia, saia uma nova harmonia. eu diria que nós contemplávamos todos os gêneros e gostos musicais, sempre havia uma música criada por nós que inspirava as pessoas e, eu, como boa leonina, confesso que adorava que o fato do nosso metrônomo ser tão milimetricamente calculado para não gerar um único ruído, gerava um misto de inspiração e inveja nas pessoas por não terem músicas tão bonitas.

então, com o tempo, sem motivo algum. não fui eu que mexi na frequência, nem foi você, mas ele ficou descompassado. eu queria bossa nova e você estava mais para um pós punk. nós olhávamos para aquela frequência estranha e diferente que estava impossibilitando novas músicas boas, mesmo com todos ao nosso redor dizendo que, veja só, elas ainda eram incríveis. era como se eu tocasse na bateria e você errasse o compasse do baixo e, de repente, a banda inteiro estava perdida, sem saber muito bem quem seguir, qual ritmo tocar.

colocamos o metrônomo no meio para escutarmos a frequência. consegui criar um bossa nova tão calma, reconfortante e lenta. você criou algo agitado, divertido, diferente. então nos olhamos, sabendo que não era ele que estava quebrado. eram as músicas que estavam diferentes.

e agora, eu não sei muito bem como a bossa nova pode ser uma música que você ainda queira escutar. estamos aqui, entendendo como nos manter em ambas playlists e usando o metrônomo para continuarmos criando outras músicas, mas eu tenho medo de não ser mais sua banda favorita e sei que você também.

maio 23, 2022 No comentários

querida leitora, 

já faz algum tempinho que eu sinto a necessidade de simplesmente sentar e escrever, quase vomitar as palavras que surgem na minha cabeça sem muito filtro, mas é bem difícil fazer isso querendo editar tudo mil vezes. prometo tentar.

esses dias conversando com um amigo ouvi a seguinte frase "acho que nunca ouvi você falando muito sobre si mesma" e, de fato, eu sou uma excelente ouvinte, não sou nada tímida, mas sou bastante introspectiva. mesmo. e sinto que isso agravou - não diria piorar, porque não é algo necessariamente ruim - depois de uma situação de trauma. e, estranhamente, essa foi a primeira coisa que me senti confortável para falar sobre mim: eu estou em inércia.

veja bem, eu não tenho ideia se tem alguma explicação científica-psicológica-emocional para o que eu estou sentindo, mas acredito que algumas pessoas, principalmente depois do caos pandêmico que vivemos, estão com um sentimento (ou vários deles) que é bem difícil de explicar.

tenho sede de viver, como nunca tive antes, saio para lugares que nunca fui, faço novas amizades, como comidas gostosas, viajo com meus amigos, estou tendo sucesso no meu trabalho, contudo, em diversos momentos, eu me sinto meio aérea, meio apática, meio neutra. não é tristeza, não é melancolia. também não é como se eu nunca ficasse feliz ou emocionada, porque eu fico sim, mas é uma felicidade diferente do que eu já senti. eu não quero soar triste, porque de verdade não estou, eu diria que estou mais neutra do que nunca com meus sentimentos.

às vezes tenho a sensação que é como se eu estivesse, aos poucos, ficando feliz por estar viva depois de ter passado por uma situação traumática. o jeito que eu encontrei de chamar essa neutralidade é inércia. escolhi batizar assim. fazendo algumas analogias: é como se eu estivesse tentando reagir depois de um tapa na cara forte na frente de todo mundo. ou como se eu tivesse batido o carro num poste bem de frente e arregaçado o veículo inteiro, mas percebido que saí - quase - ilesa. aquele tempinho antes de reagir.

é inércia porque eu genuinamente acredito - ou espero - que a intensidade voltará. não como antes, mas é uma sensação que me permeia. e tem sido difícil falar sobre isso com alguém porque, no geral, todo mundo tenta polarizar as emoções - veja só, eu acabei de fazer isso escrevendo - e eu já estive em estado depressivo antes, é uma apatia diferente, é realmente uma neutralidade, uma inércia. meus amigos e meus familiares se preocupam - com razão - mas não é como se eu estivesse triste, melancólica ou nunca experimentasse felicidade genuína, mas esses picos de emoção não estão acontecendo com a frequência que eu estava acostumada, eu acho e é algo bem esquisito de vivenciar porque eu sou um bocado chorona e emotiva. ou era, não sei.

caso você esteja se questionando sobre qual situação traumática eu me refiro, bem, acho que a pandemia como um todo, já que todos nós perdemos muito em dois anos, mas no caso, eu quase perdi meu pai para o motivo principal do isolamento social e só consigo dizer que, às vezes, eu também tenho a sensação de desconfiança de que eu consegui passar por tudo isso, mas ao mesmo tempo não sei a que custo emocional. por isso tanta terapia.

inclusive, graças às inúmeras sessões de análise eu não sinto culpa por estar neutra. também não sinto culpa por não querer a validação de ninguém sobre o que eu estou sentindo porque, honestamente, o sentir é algo tão particular que ter qualquer juiz classificando se é certo ou errado, bom ou ruim, atrapalha o que é para ser feito: sentir. não quero a opinião de ninguém sobre esse assunto, para ser sincera. é só um desabafo, uma carta para ser lida, um ouvido para escutar.

escrevo porque sinto que, de alguma forma, isso também chegará em outras pessoas que estão sentindo a mesma coisa e também estão neutras. encontrei na escrita minha forma de me abraçar e aceitar esse momento. espero que esse texto te encontre bem e te abrace também.

com amor,

querida asquini.

abril 26, 2022 No comentários
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Olá, sou a Lari e tenho 27 anos - e há mais de quinze anos escrevo algumas coisinhas para internet. Sou formada em Relações Públicas e trabalho com marketing de influência. Adoro consumir cultura e divulgar dicas por aí.

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