Não é doença, é mimimi

Ilustração: Jenny Yu
Depressão é doença do século XXI. Nem é doença, é frescura, é mimimi, é coisa de gente fraca, coisa de gente que não tem o que fazer, coisa de gente que precisa aprender o que é sofrimento de verdade. Isso nem câncer é, se fosse, ia ver o que é sofrimento.
Não é a primeira nem a última vez que eu ouço isso. Respiro fundo. "Mas se existe uma ciência que estuda a mente e o humor das pessoas, por que inventariam algo assim?", pergunto calmamente. "Pra lucrar com medicamentos, oras", mordo o lábio e inclino a cabeça pra trás. "Sendo assim, dor de cabeça também é frescura, não? Aspirinas são bem mais vendidas do que anti-depressivos", provoco "tem gente que toma aspirina todo dia, é uma frescura e tanto". 
"Dor de cabeça não é frescura, é de verdade", os olhos pulam para fora do rosto e sinto que minha provocação foi longe demais. Não ligo, sei que estou certa. "Oras, como você me garante que sente dor de cabeça de verdade todos os dias que toma aspirina? Quem me garante que aspirinas não são placebos?" daí chuto o balde e dá pra ver. Levanta-se e estufa o peito "os médicos estudaram anos e fizeram vários testes, tem gente que morre de dor de cabeça e você aí tirando onda. Dor de cabeça é coisa séria". Pois me levanto - porque não aceito que ninguém levante a voz pra mim - e com toda calma digo "tem gente que morre de depressão também", pego minha bolsa e saio sabendo que me olha com aquela cara de que queria estar certo, mas perdeu a razão.
Entro no banheiro e choro, pego meu celular, coloco os fones e me obrigo a contar minhas respirações enquanto a música me acalma. Certo. Está tudo bem agora, ninguém está me vendo. Eu não choro por mim, choro por ela.
Choro por todas as vezes que fiquei acordada durante a noite só pra ver se ela estava respirando bem; por todas as vezes que não soube como fazer com que ela parasse de chorar e me senti completamente inútil; por não entrar na mente dela e ser como em desenho animado em que eu coloco a tristeza bem no cantinho para que ela não tome conta da alegria; por todas as vezes que tive que ler e reler mil vezes as redes sociais, os livros e as revistas que ela gosta para que nada a assustasse; por aquela vez em que todo mundo nos olhou torto porque ela não sabia como respirar no metrô e eu só quis explodir os olhos deles. Choro porque não é só ela, não foi só ela e não será só ela.
Choro porque foi ela, foram várias elas que se machucaram, que tentaram o que não deveriam e algumas conseguiram. Choro porque ela teve ajuda, ela me teve e me tem, mas muitos não têm e não tiveram e isso me assusta.
Choro porque eu sei como foi, como é e tenho medo de como será cuidar da depressão de alguém. É por todos aqueles que eu não conheço, que não me conhecem, que não sabem como ajudar quem é doente, que não sabem como ser o doente e aceitar ajuda. Por todo mundo que ignora todos os sinais, que vai ao fundo do poço e que se deixam levar pelo pensamento de que é frescura.
Tristeza que dura, não conseguir respirar, não conseguir falar ou falar além da conta, sentir angústia, sentir medo, sentir pavor, sentir tudo. Sentir nada. Não é normal, não é frescura e ajuda é necessária.
Choro porque não foi a primeira e não será a última vez que terei que pensar tudo isso.

Texto por Larissa Honorato.
Com amor,
Querida Asquini.

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