dia 25

Ontem ligaram para gente do hospital para falar que você estava de barriga pra cima, estável, mas que sua respiração ainda estava difícil. Nunca ligam de final de semana, sabe? Então foi como se a gente tivesse sido, novamente, atiradas de cima do penhasco que demora muito tempo e demanda muita força para conseguir subir de volta.

Eu queria ter o poder de inflar os seus pulmões e arrancar o sofrimento de você, papai. Queria que cada célula do seu corpo expulsasse as infecções, as bactérias e que você respondesse repentinamente. Sei não será de imediato, mas eu acredito que essa força você já tá fazendo por aí, meu ursão.

Hoje a gente acordou cedo, parecia que a gente tinha sido atropelada, sabe papai? A mamãe estava tão ansiosa e ela não dormiu nada. Você bem sabe que segunda-feira é puxado para nós por conta da ansiedade, né? Pois bem, além de tudo você tá aí dormindo e mesmo dormindo o senhor trabalha, luta e se esforça demais.

Fui com a mamãe para ela tomar a vacina. Pensei que você precisa me ensinar seus truques quando eu aprender a dirigir e tô esperando você voltar para se quer pensar em tirar a carta. Quando eu conseguir, vou te levar pra tanto lugar pra gente comer - e você provavelmente vai precisar estacionar porque você sabe que minha noção de espaço e capacidade para cálculos é bem ruim.

Pai, foi tão difícil ver a mamãe tomando a vacina. Doeu tanto em nós que foi como se alguém apunhalasse a gente pelas costas e puxasse o coração por trás, sabe? A mamãe lembrou que você disse que não estava feliz de tomar a vacina porque ainda faltava ela, você lembra? E que faltava eu também.

Eu sei que você sempre fala pra mim pra eu não alimentar ódio nem raiva, mas eu sei que você também entende, mais do que ninguém nesse mundão, como eu sinto e como as coisas são processadas por mim. E nossa papai, eu fiquei com tanta raiva. Eu queria gritar até eu ficar muda. Até a garganta coçar e eu sentir que libertei um mal do meu corpo.

Pareceu tão sem sentido, sabe? E eu também me senti culpada. Muito culpada. Porque era pra eu estar feliz, né? A mamãe também. Na hora que enfiaram a agulha no braço dela, o telefone tocou e infelizmente eu fui grossa com a moça do telemarketing. Eu gelei, papai. Na verdade, faltou um tiquinho só pra eu desmaiar.

Eu sei que você vai ficar bom, papai. E eu também estou permitindo que os guias falem comigo, mesmo com medo, porque eles me confortam, me dão bronca também porque eu tenho pressa de te ver e as coisas não acontecem no meu tempo. Tenho pressa que você fique bom, que eu gaste um monte de dinheiro com um monte de comidas boas e Lindts para você. Mas eu estou com tantas saudades, papai.

Que seu pulmãozão volte a ficar forte logo.

Estou te esperando, meu camissinho.

Passou das 15h e a gente já começa a ficar ansiosa de novo. Eu sinto que você está um pouco melhor, está respondendo bem e algo me diz que em breve devem fazer a traqueostomia.

Eu estou com tantas saudades papai.

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