dia 43.

 Passei alguns dias sem conseguir escrever ou me expressar direito. Não que as coisas estejam piores, muito pelo contrário, você é um milagre vivo, papai. E talvez, justamente por isso está um pouco complicado de processar as coisas, entende?

O último mês parecia a todo instante que a gente iria acordar de um pesadelo a qualquer instante. Parecia paralisia do sono com a qual não só nosso corpo estava sem conseguir realizar nenhum movimento como parecia que o mundo a nossa volta estava congelado ao mesmo tempo em que eu via tudo seguindo seu curso. Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza.

Poderia dizer que o rio fluía e seguia seu caminho até o mar e eu estava presa com uma pedra me puxando para baixo e, agora, cortaram essa corda e, apesar poder nadar até o mar, ainda dá bastante medo de arriscar então estou segurando um pouquinho na corda ainda.

Eu te vi e você nos viu, papai. Nunca agradeci tanto uma chamada de vídeo e uma call repentina - que você bem sabe que tem sido motivo de bastante estresse nos últimos meses. Você está diferente, mais magro, mais debilitado, mas teus olhos sempre serão teus olhos papai, assim como teu sorriso. E quando olhei para ambos, mesmo à distância, eu tive certeza da sua vontade absurda de viver.

Você me disse "vou viver uma nova vida". Isso ecoa de tantas formas aqui dentro, eu quero te ajudar tanto.

E sim, nós não temos ideia do que você passou, não em detalhes, mas sabemos o quanto você tem lutado diariamente e como foi difícil não poder te ajudar a carregar essa cruz enquanto você a carregava sozinho. Foram nesses dias, papai, que eu tive a mais absoluta certeza que eu era extremamente impotente e isso doeu de tantas formas que seria impossível descrever. Eu tive que me apegar à algo e crer que a minha impotência significava poder de outros.

Significou, por um tempo, o poder de um vírus que há dois anos assola a humanidade sem a menor piedade. Foi também a perda temporária para o negacionismo, o facismo e a falta de compaixão. Mas os bons são a maioria, você costuma dizer, e eu precisei acreditar muito nisso e tive inúmeras provas que essa é a mais pura verdade. 

Tuas orações vão daqui à Alemanha, de Lajedo à Irlanda. Você é tão querido que todos os bons se manifestaram em prol da tua saúde e da força da mamãe.

E que mulher essa pela qual você se apaixonou, papai.

Não sei quanto mais escreverei, tentei manter a frequência todos os dias mas segui um dos teus inúmeros conselhos majestosos de respeitar o meu tempo.

Hoje eu só consigo agradecer do fundo do meu coração pela tua garra e por ser este ser de luz que nos faz entender até aquela parte do pai nosso que é humanamente impossível às vezes. Perdoai as ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

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