oi, desculpa a demora pra responder

Alguns segundos de uma voz agitada num aplicativo de mensagens "oi, desculpa a demora pra responder, esqueci mais uma vez, achei que...".

Me esqueceu, mais uma vez. Pauso a mensagem e escuto novamente. Fazer isso é um pouco masoquista porque te ouvir falar essa palavra me machuca, me frusta, mas eu acho que sempre aprendi a sentir prazer na dor, talvez amar seja um pouco isso. Ouço novamente "esqueci". Esquecer.

Já faz algum tempo que acho que você se esqueceu de mim. Teve aquela vez quando fiquei doente e te pedi um chocolate e você ficou frustrado estava sendo muito carente. Quando te perguntei se queria ir para algum lugar almoçar e escolheu a mesma balada pela décima vez. Ou aquela vez quando disse que não via sentido em postar fotos comigo porque não era assim que demonstrava seu amor por mim, mas foi assim que demonstrou seu carinho por uma desconhecida.

E eu assisti o esquecimento. Uma, duas, dez, inúmeras vezes. Te assistia me esquecer, permanecendo na plateia com medo de que, caso eu parasse de assistir, eu seria esquecida. Veja, que paradoxo!

Então fiquei ali, vendo, vendo, vendo, permanecendo, cedendo, me transformando para caber num espaço cada vez menor de memória, até virar uma caixinha de uma lembrança bonitinha numa prateleira que era fácil revisitar sempre que sentia saudades.

Enquanto você me esquecia, eu lembrava de você. Te lembrava de lembrar de mim. Fazia o trabalho por você, o de cuidar de você, o de fazer você se lembrar de você tanto, que não havia lembranças pra mim, nem dentro de mim mesma. 

Eu facilitei tanto para você, não é? Você não teve trabalho algum. Ficou fácil quando num lapso de tortura masoquista em que te pedi um beijo, o mais banal e simples deles que deveria ser uma manifestação natural de desejo, me fez perceber que havia uma voz dentro que ecoava e implorava por um basta. Aquilo não tinha que ser pedido. Não era assim que eu tinha que ser lembrada. Quando é preciso lembrar que algo seja natural, é porque já está artificial demais.

A gente não precisa lembrar ninguém de lembrar da gente.

Ouvi essa voz que constantemente eu silenciava, pedia para ter um pouco mais de paciência, mas dessa vez, cansada e triste demais para exigir o natural, perguntou da forma mais honesta que podia se eu era uma escolha. Eu não era. Houve rodeios, houve tentativas de disfarçar, mas eu não era. Eu não era lembrada, eu era uma lembrança.

Ouvir isso em voz alta fez a voz ter certeza do que ela já me avisava há tempos. E a dor de ela estar certa, de que eu havia feito tanto esforço quando já era só uma lembrança foi como me chicotear inúmeras vezes. E sabe o que mais dói? Você viu que eu estava me chicoteado e em momento nenhum você impediu ou disse que não precisava mais. Acho que mesmo me vendo me chicoteado você não tinha o trabalho de me dar minha liberdade enquanto você vivência a a sua já.

E meu senso de justiça é um valor tão intrínseco que me escapa pelos poros. Sentir que cometi uma injustiça comigo dói mais até do que a injustiça que você cometeu comigo - e olha que essa dói muito também porque achava que você era mais corajoso para arrancar chicotes. Esse valor era meu refletido em você. Espero que tenha aprendido também.

E agora eu estou decidindo por largar o chicote, mesmo com medo, porque apesar de ser um lugar que eu conheço, sentir dor ainda é dor, por mais que você já saiba como vai doer. E é preferível mergulhar no desconhecido do que continuar a ocupar um espaço pequeno.

Dói ter que sair daqui, mas eu não preciso mais ser uma lembrança. Eu posso ser lembrada. E eu preciso me lembrar de mim.

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