libertar.


andamos cerca de um quilômetro até virar à esquerda em um píer comprido, cheio de vegetações que nunca tinha visto antes e caminhamos mais um pouco até pararmos em frente à areia branca e quente. ficamos em silêncio por alguns minutos, em pé, sentindo os cabelos tomarem outras formas por conta da maresia. até que ela interrompe, a respiração alta, daquelas que indica que virá algum tipo de confissão na sequência.

"esse é um dos meus maiores, medos, sabia?", era uma pergunta retórica então apenas espero que ela continue. "o mar. quero dizer, acho que esse É o meu maior medo. é lindo, é muito majestoso, grande, mas nunca se sabe o que dá para encontrar nele. por exemplo, no fundo tem animais que nem se quer conhecemos, que nunca viram a luz." continuamos encarando o horizonte sem trocar olhares e reflito em silêncio, em companhia ao devaneio verbalizado. "também é do mar que vem os tsunamis. eu tenho verdadeiro pavor de tsunamis. não gosto nem de pensar.". de repente, ela parece estranhamente aliviada e feliz e, nos minutos seguintes, continua elaborando suas teorias sobre o que existe no mar e o que lhe causa medo, até que por fim conclui "é por isso que eu só consigo ir até onde me dá pé, onde a água bate na cintura".

há quem diga que tememos o que desconhecemos, há quem diga que tememos o que conhecemos. eu concordo com ambos, mas também acredito que temos medo daquilo que somos e não sabemos, e também daquilo que somos e não queremos reconhecer. isso, para mim, faz bastante sentido, sabe?

quando o silêncio tomou conta novamente, ficamos brincando com a areia enquanto o celular reproduzia a playlist que ela escolheu e cantarolávamos baixinho, enquanto casais e alguns ciclistas de diversas idades passavam atrás, cada um com seu ritmo de passada. secretamente, pensava sobre aquele medo que foi genuinamente compartilhado.

existe sim muitos motivos para temer o mar, as criaturas que nunca viram luz, os tubarões famintos, as ondas gigantes, mas também há muito o que aproveitar da maresia, da água morna, de boiar em águas tranquilas.

as coisas gigantes, como o mar, uma floresta completamente escura ou um céu muito estrelado, paradoxalmente criam a sensação de pertencimento e de insignificância. penso, mas não compartilho aquele pensamento naquele momento e resolvo escrevê-lo.

voltando para casa, continuo pensando sobre o medo, mesmo que já tenhamos trocado de assunto tantas vezes. encaro os cabelos louros e acho um tanto irônico que ela seja tão impetuosa e tenha um medo tão ordinário.

veja, não estou debochando do medo de ninguém, mas para quem já nadou com tubarões, se afogou com âncoras de outros barcos, alimentou as baleias, desviou de água vivas, e ainda assim, não deixou em nenhum momento de acreditar que o mar em algum momento iria parar de arrastá-la para baixo, agora que reflito sobre o medo, parece irônico que ela duvide da própria capacidade de aproveitar a possibilidade de boiar um pouco sozinha.

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