inércia

querida leitora, 

já faz algum tempinho que eu sinto a necessidade de simplesmente sentar e escrever, quase vomitar as palavras que surgem na minha cabeça sem muito filtro, mas é bem difícil fazer isso querendo editar tudo mil vezes. prometo tentar.

esses dias conversando com um amigo ouvi a seguinte frase "acho que nunca ouvi você falando muito sobre si mesma" e, de fato, eu sou uma excelente ouvinte, não sou nada tímida, mas sou bastante introspectiva. mesmo. e sinto que isso agravou - não diria piorar, porque não é algo necessariamente ruim - depois de uma situação de trauma. e, estranhamente, essa foi a primeira coisa que me senti confortável para falar sobre mim: eu estou em inércia.

veja bem, eu não tenho ideia se tem alguma explicação científica-psicológica-emocional para o que eu estou sentindo, mas acredito que algumas pessoas, principalmente depois do caos pandêmico que vivemos, estão com um sentimento (ou vários deles) que é bem difícil de explicar.

tenho sede de viver, como nunca tive antes, saio para lugares que nunca fui, faço novas amizades, como comidas gostosas, viajo com meus amigos, estou tendo sucesso no meu trabalho, contudo, em diversos momentos, eu me sinto meio aérea, meio apática, meio neutra. não é tristeza, não é melancolia. também não é como se eu nunca ficasse feliz ou emocionada, porque eu fico sim, mas é uma felicidade diferente do que eu já senti. eu não quero soar triste, porque de verdade não estou, eu diria que estou mais neutra do que nunca com meus sentimentos.

às vezes tenho a sensação que é como se eu estivesse, aos poucos, ficando feliz por estar viva depois de ter passado por uma situação traumática. o jeito que eu encontrei de chamar essa neutralidade é inércia. escolhi batizar assim. fazendo algumas analogias: é como se eu estivesse tentando reagir depois de um tapa na cara forte na frente de todo mundo. ou como se eu tivesse batido o carro num poste bem de frente e arregaçado o veículo inteiro, mas percebido que saí - quase - ilesa. aquele tempinho antes de reagir.

é inércia porque eu genuinamente acredito - ou espero - que a intensidade voltará. não como antes, mas é uma sensação que me permeia. e tem sido difícil falar sobre isso com alguém porque, no geral, todo mundo tenta polarizar as emoções - veja só, eu acabei de fazer isso escrevendo - e eu já estive em estado depressivo antes, é uma apatia diferente, é realmente uma neutralidade, uma inércia. meus amigos e meus familiares se preocupam - com razão - mas não é como se eu estivesse triste, melancólica ou nunca experimentasse felicidade genuína, mas esses picos de emoção não estão acontecendo com a frequência que eu estava acostumada, eu acho e é algo bem esquisito de vivenciar porque eu sou um bocado chorona e emotiva. ou era, não sei.

caso você esteja se questionando sobre qual situação traumática eu me refiro, bem, acho que a pandemia como um todo, já que todos nós perdemos muito em dois anos, mas no caso, eu quase perdi meu pai para o motivo principal do isolamento social e só consigo dizer que, às vezes, eu também tenho a sensação de desconfiança de que eu consegui passar por tudo isso, mas ao mesmo tempo não sei a que custo emocional. por isso tanta terapia.

inclusive, graças às inúmeras sessões de análise eu não sinto culpa por estar neutra. também não sinto culpa por não querer a validação de ninguém sobre o que eu estou sentindo porque, honestamente, o sentir é algo tão particular que ter qualquer juiz classificando se é certo ou errado, bom ou ruim, atrapalha o que é para ser feito: sentir. não quero a opinião de ninguém sobre esse assunto, para ser sincera. é só um desabafo, uma carta para ser lida, um ouvido para escutar.

escrevo porque sinto que, de alguma forma, isso também chegará em outras pessoas que estão sentindo a mesma coisa e também estão neutras. encontrei na escrita minha forma de me abraçar e aceitar esse momento. espero que esse texto te encontre bem e te abrace também.

com amor,

querida asquini.

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