Afinal, quem é a vítima?


Ontem fui acordada com um susto, ontem, hoje, todo dia. 
Todo dia quando os meus pais vão trabalhar reúno minhas forças para pedir proteção, assim como eles fazem quando saio para a faculdade. Ficamos rezando para a "sorte", torcendo para que aquele seja mais um dia em que passamos sem nada acontecer, mas, mesmo assim, às vezes a "sorte" não está do nosso lado. 
Mamãe me ligou às 8h aos prantos porque algum delinquente tinha levado seus pertences. Mamãe estava a caminho do trabalho. Mamãe estava suando para conseguir manter uma família. Mamãe está triste e mamãe foi só mais uma mamãe. 
Mamãe não foi machucada, mas muitas já foram, muitas até já se foram. Minha mãe levanta todo dia às 6h em ponto, isso quando não perde o sono e cai da cama às 4:30. 
Mamãe cuida das duas filhas, do marido e de todo o resto da família imensa que ela ama.
Ontem, depois de todo o ocorrido um policial orientou mamãe a fazer um boletim de ocorrência eletrônico porque o policial disse que seria mais rápido e menos traumático; mamãe não tinha estruturas para ficar em frente a uma tela de computador para contar o que tinha acontecido, nem na frente de ninguém, Mamãe só queria chorar. 
Mesmo assim Mamãe contou que levaram a CNH, o documento de trabalho e mais alguns pertences como o celular. Mamãe precisa de tudo isso para trabalhar e enxugou as lágrimas e correu para o Poupa-Tempo para pedir outra via de sua carteira de motorista com o número do BO em mãos para quem quisesse consultar. 
Mamãe teve a segunda via de sua carteira negada. 
O mesmo aconteceu com seu documento de trabalho. 
Mamãe foi olhada como se ela estivesse mentindo, como se fosse um alienígena por não achar nada aquilo normal e nem se conformar com aquilo. Mamãe foi roubada duas vezes porque um ladrão roubou seus pertences e o governo quer roubar dela por ela ser frágil, por ter "moscado", por ser boba. 
Mamãe foi olhada com desdém, assim como Papai foi olhado alguns meses antes. Todos dizem a Mamãe para se acostumar, mas ela se recusa, mesmo sendo a quarta ou quinta vez que ela passa por isso. Disseram o mesmo para o Papai. Dizem o mesmo uns para os outros para se confortarem, mas isso não é algo que deva servir de conforto, tampouco ser algo com o qual devemos nos acostumar.
Mamãe foi olhada como a Moça do ônibus que gritou quando o homem passou "sem querer" a mão na sua bunda. 
Todos dizem para Mamãe e para a Moça que a culpa é delas. Elas deram motivos. Estavam "moscando", estavam fáceis, estavam "pedindo". Mamãe e a Moça nem sonhavam com isso, nunca quiseram e nunca pediram por isso. 
Somente Mamãe e a Moça entendem que a culpa não é delas, mas de alguma forma, ainda se sentem culpadas.

Com amor,
Querida Asquini.

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